quarta-feira, 27 de maio de 2020

sábado, 2 de maio de 2020

Da Palavra



Como pensar o Pós-Planeta Confinamento - os tempos pedem que ajamos como poetas, não como políticos

O jornalista Pepe Escobar escreve sobre o cenário global depois da pandemia do coronavírus: "Não é a crise do Covid-19 que levará a um outro mundo - mas a reação da sociedade à crise."
O Triunfo da Morte, afresco, Palermo, Itália (artista desconhecido).
O Triunfo da Morte, afresco, Palermo, Itália (artista desconhecido). (Foto: Reprodução)
 
Por Pepe Escobar, para o Asia Times
Tradução de Patricia Zimbres, para o 247
Entre a falta de responsabilização das elites e a total fragmentação da sociedade civil, o Covid-19, como um circuit breaker, está mostrando que o rei - o design sistêmico - está nu. 
Estamos sendo sugados para dentro de uma dança macabra de múltiplos sistemas complexos "colidindo uns com os outros", produzindo uma infinidade de ciclos de realimentação, na sua maioria negativos.
O que já sabemos com certeza, como Shoshana Zuboff demonstrou em detalhes em seu The Age of Surveillance Capitalism (A Era do Capitalismo de Vigilância), é que "o capitalismo industrial seguiu sua própria lógica de choque e terror" para conquistar a natureza. Mas agora o capitalismo de vigilância "está de olho na natureza humana".
Em The Human Planet: How We Created the Anthropocene (O Planeta Humano: Como Criamos o Antropoceno), analisando o crescimento populacional explosivo, o aumento do consumo de energia e o tsunami de informações "movidos a ciclos de realimentação positivos de reinvestimento e lucro", Simon Lewis e Mark Maslin, do University College de Londres, sugerem que nosso atual modo de vida é a "menos provável" entre diversas opções possíveis. "Um colapso ou uma troca para um novo modo de vida é mais provável".
Com a distopia e a paranóia em massa parecendo ser a lei da (perplexa) terra, as análises de Michel Foucault sobre biopolítica nunca foram tão oportunas, agora que estados de todo o mundo assumem o biopoder - o controle sobre a vida e os corpos das pessoas.
David Harvey, mais uma vez, demonstra o quanto Marx foi profético, não apenas em suas análises do capitalismo industrial mas, também no Grundrisse: Fundações da Crítica da Economia Política – onde ele chegou a prever os mecanismos do capitalismo digital.
Marx, escreve Harvey, "fala de como as novas tecnologias e o novo saber se incorporam à máquina: eles deixam de residir no cérebro do trabalhador, e o trabalhador é empurrado para a margem, tornando-se um mero apêndice da máquina, um mero cuidador de máquinas. Toda a inteligência e todo o saber que antes pertenciam aos trabalhadores e conferiam a eles um certo monopólio de poder frente ao capital, agora desaparecem".  
Assim, Harvey acrescenta, "O capitalista, que antes precisava das habilidades do trabalhador, agora se livra dessa limitação, e a habilidade é incorporada à máquina. O conhecimento produzido pela ciência e pela tecnologia é canalizado para a máquina, e a máquina se torna a 'alma' do dinamismo capitalista. 
A vida na 'deflação psíquica' 
Um efeito imediato - de ordem econômica -  da colisão  de sistemas complexos é a Nova Grande Depressão que se aproxima. Enquanto isso, muito poucos tentam entender em profundidade o Planeta Confinamento e, principalmente, o Pós-Planeta Confinamento. Entretanto, uns poucos conceitos já se destacam. Estado de exceção. Necropolítica. Um novo brutalismo. E, como veremos, um novo paradigma viral.
Vamos, portanto, recapitular o que disseram algumas das melhores e mais brilhantes cabeças da vanguarda do pensamento sobre o Covid-19. Um excelente mapa de viagem é a Sopa de Wuhan, uma coletânea independente publicada em língua espanhola, trazendo ensaios de, entre outros, Giorgio Agamben, Slavoj Zizek, Judith Butler, David Harvey, o sul-coreano Byung-Chul Han e o espanhol Paul Preciado.
Os dois últimos, juntamente com Agamben, foram mencionados em ensaios anteriores desta série sobre os estóicosHeráclitoConfúcioBuda e Lao-Tzu, e também sobre filosofia contemporânea, em A Cidade em Tempo de Peste.
Franco Berardi, ícone do movimento estudantil de 1968 e agora professor de filosofia em Bolonha, propõe o conceito de "deflação psíquica" para explicar a dificílima situação por que estamos passando. Estamos vivendo em uma "epidemia psíquica... gerada por um vírus, no momento em que a Terra atingiu um estágio de extrema irritação e o corpo coletivo da sociedade sofre, o que vem acontecendo já há bastante tempo, um estado de tensão intolerável: a doença se manifesta nesse estágio, devastando as esferas sociais e psíquicas, como uma reação de auto-defesa do corpo planetário". 
Então, como propõe Berardi, um "vírus semiótico na psicosfera bloqueia o funcionamento abstrato da economia ao subtrair dela corpos".  Apenas um vírus seria capaz de paralisar por completo a acumulação do capital: "O capitalismo é axiomático, ele opera com base em uma premissa não-verificada (a necessidade de crescimento ilimitado que torna possível a acumulação de capital). 
Toda concatenação lógica e econômica é coerente com esse axioma, e nada pode ser testado fora desse axioma. Não há saída política que permita escapar do capitalismo axiomático, não há possibilidade de destruir o sistema", porque até mesmo a linguagem é refém desse axioma e não admite a possibilidade de nada que seja "eficientemente extra-sistêmico". 
Então, o que sobra? "A única saída é a morte, como aprendemos com Baudrillard". O falecido grande mestre  do simulacro já previa uma paralisação sistêmica nos pós-modernos anos 80.  
O filósofo croata Srecko Horvat , por outro lado, traz uma hipótese menos conceitual e mais realista sobre o futuro imediato: "O medo da pandemia é mais perigoso que o próprio vírus. As imagens apocalípticas da mídia de massa escondem um nexo profundo entre a extrema-direita e a economia capitalista. Tal como um vírus que precisa de células vivas para se reproduzir, o capitalismo irá se adaptar à biopolítica do século XXI.
Para o químico e filósofo catalão Santiago Lopez Petit, o coronavírus pode ser visto como uma declaração de guerra: "O neoliberalismo, desavergonhadamente, se fantasia de estado de guerra. O capital está apavorado", mesmo que "a incerteza e a insegurança invalidem a necessidade de um tal estado". No entanto, pode haver possibilidades criativas quando  a vida obscura e paroxística, incalculável em sua ambivalência, escapa do algoritmo". 
Nossa exceção normalizada 
Giorgio Agamben provocou imensa controvérsia na Itália e por toda a Europa quando, em fins de fevereiro, publicou uma coluna sobre a "invenção de uma epidemia". Ele, mais tarde, teve que explicar o que queria dizer. Mas seu principal insight permanece válido: o estado de exceção foi completamente normalizado.
E fica ainda pior. "Um novo despotismo que, em termos dos controles onipresentes e da cessação de toda e qualquer atividade política, será pior que os totalitarismos que conhecemos até agora".
Agamben insiste em suas análises da ciência como sendo a religião de nosso tempo: "A analogia com a religião é tomada literalmente; os teólogos declararam não serem capazes de definir o que Deus é, mas em Seu nome ditaram regras de conduta aos homens e não hesitaram em queimar heréticos. Os virologistas admitem não saber exatamente o que um vírus é, mas em seu nome fingem decidir como os seres humanos irão viver".
O filósofo e historiador camaronense Achille Mbembe, autor de dois livros indispensáveis, Necropolítica e Brutalismo, identificou o paradoxo de nosso tempo: "O abismo entre a crescente globalização dos problemas da existência humana e o recuo dos países para dentro de suas velhas e antiquadas fronteiras".
Mbembe investiga o fim de um certo mundo, "dominado por gigantescos dispositivos de cálculo", um mundo móvel no sentido mais polimórfico, viral e quase cinematográfico", referindo-se à ubiquidade das telas (novamente o Baudrillard da década de 80) e à lexicografia, "que revela não apenas uma mudança de linguagem mas o fim do mundo". 
Aqui temos Mbembe dialogando com Berardi – mas Mbembe leva a questão muito mais longe: "Esse fim de mundo, esse triunfo definitivo do gesto e dos órgãos artificiais sobre a palavra, o fato de que a história da palavra chega ao fim frente a nossos olhos, esse para mim é o desenvolvimento histórico por excelência, o que o Covid-19 revela. 
As consequências políticas são inevitavelmente terríveis: "Parte da política de poder das grandes nações não residiria no sonho de uma organização automatizada do mundo graças à fabricação de um Novo Homem que seria o produto de montagem fisiológica, montagem sintética e eletrônica e montagem biológica? Chamemos a isso de tecno-libertarianismo".  
Isso não é exclusivo do Ocidente: "A China está no mesmo caminho, vertiginosamente". 
Esse novo paradigma de uma pletora de sistemas automatizados e decisões algorítmicas "onde a história e a palavra não existem mais, choca-se frontalmente com a realidade de corpos de carne e osso, micróbios, bactérias e líquidos de todos os tipos, o sangue inclusive". 
O Ocidente, afirma Mbembe, há muito optou por "imprimir um curso dionisíaco a sua história, levando consigo o resto do mundo, mesmo que este não entenda. O Ocidente não conhece mais a diferença entre começo e fim. A China está no mesmo caminho. O mundo foi mergulhado em um vasto processo de dilaceramento, onde ninguém é capaz de prever as consequências".
Mbembe aterroriza-se com a proliferação de "manifestações vivas da parte viral e bestial da humanidade, incluindo racismo e tribalismo. 
Isso, acrescenta ele, corresponde ao nosso novo paradigma viral. 
Sua análise certamente se encaixa com a de Agamben: "Tenho a impressão de que o brutalismo vai se intensificar sob o ímpeto tecno-libertarianista, seja na China ou sob as roupagens da democracia liberal. Da mesma forma que o 11 de setembro abriu caminho para um estado de exceção generalizado e para sua normalização, a luta contra o Covid-19 será usada como pretexto para aproximar ainda mais a política do domínio da segurança". 
"Mas desta vez", acrescenta Mbembe, "será uma segurança quase biológica, comportando novas formas de segregação entre os "corpos imunes" e os "corpos virais".  O viralismo se transformará no novo palco para o fracionamento das populações, agora identificadas como espécies distintas". 
Parece mesmo um neo-medievalismo, uma reencenação digital do fabuloso afresco O Triunfo da Morte, em Palermo.
Poetas, não políticos 
É útil contrastar toda essa ruína sombria com a perspectiva de um geógrafo. Christian Grataloup, um excelente geo-historiador, insiste em um destino comum para a humanidade (aqui ele ecoa Xi Jinping e o conceito chinês de "comunidade de destinos compartilhados": "Há um sentimento de identidade sem precedentes. O mundo não é simplesmente um sistema espacial econômico e demográfico, ele se transforma em um território. Desde as Grandes Descobertas tudo o que era global vinha encolhendo, resolvendo uma série de contradições. Agora, temos que aprender a reconstruí-lo, dar-lhe mais consistência, uma vez que corremos o risco de deixá-lo apodrecer com as tensões internacionais".
Não é a crise do Covid-19 que levará a um outro mundo - mas a reação da sociedade à crise. Não haverá uma noite mágica, com shows dos pop stars da "comunidade internacional", quando a vitória será anunciada ao antigo Planeta Confinamento.  
O que é realmente importante é o longo e árduo combate político que nos levará ao próximo nível. Os conservadores extremos e os tecno-libertarianistas já tomaram a iniciativa - da recusa à tributação sobre grandes fortunas para socorrer as vítimas da Nova Grande Depressão até a obsessão com a dívida, que impede novos e necessários gastos públicos.   
Nesse quadro, proponho ir além da biopolítica de Foucault. Gilles Deleuze pode ser o conceituador de uma nova e radical liberdade. Aqui temos uma deliciosa série britânica que pode ser curtida como se fosse um enfoque sério à la Monty Python a Deleuze.
Foucault foi insuperável na descrição de como o significado  e os quadros de verdades sociais mudam ao longo do tempo, constituindo em novas realidades condicionadas por poder e conhecimento. 
Deleuze, por outro lado, concentrou-se em como as coisas mudam. Movimento. Nada é estável. Nada é eterno. Ele conceituou o fluxo - de forma muito heracliteana. 
As novas espécies (até mesmo o novo Ubermensch criado pela Inteligência Artificial) evoluem em relação a seu ambiente. É usando Deleuze que podemos investigar como os espaços entre as coisas criam possibilidades para O Choque do Novo. 
Mais que nunca, sabemos agora que tudo é conectado (obrigado, Spinoza). O mundo (digital) é complicado, interconectado e misterioso a ponto de abrir um número infinito de possibilidades. 
Já nos anos 1970, Deleuze dizia que o novo mapa - a potencialidade inata da novidade - deveria ser chamado de "o virtual". Quanto mais a matéria viva se complexifica, mais ela transforma esse virtual em ação espontânea e movimentos imprevistos. 
Deleuze colocou um dilema que agora nos confronta em termos ainda mais radicais. A escolha entre "o poeta, que fala em nome do poder criativo, capaz de subverter todas as ordens e representações para afirmar a diferença no estado de revolução permanente que caracteriza o eterno retorno; e o político, que se preocupa, acima de tudo, em negar aquilo que 'difere', a fim de conservar ou prolongar a ordem histórica estabelecida, ou de estabelecer uma ordem histórica que já faz surgir no mundo as formas de sua representação".
Os tempos nos chamam a agir como poetas, e não como políticos. 
A metodologia talvez possa ser a exposta por Deleuze e Guattari no seu formidável  Mil Platôs – que traz o significativo subtítulo de Capitalismo e Esquizofrenia, onde o movimento é não-linear. Estamos falando de filosofia, psicologia, política, conectadas por ideias que correm em diferentes velocidades, em um incessante movimento contínuo que mistura linhas de articulação, em diferentes estratos, dirigidas a linhas de voo, movimento de desterritorialização.
O conceito de "linhas de voo" é essencial para essa nova paisagem virtual, porque o virtual é formado por linhas de voo entre diferenças, em um processo contínuo de mudança e liberdade. 
Todo esse frenesi, contudo, tem que ter raízes - como nas raízes de uma árvore (a do conhecimento). E isso nos leva à metáfora central de Deleuze, o rizoma, que é não apenas uma raiz, mas uma massa de raízes brotando em novas direções. 
Deleuze mostrou como o rizoma conecta assembleias de códigos linguísticos, relações de poder, as artes - e, o mais importante, a biologia. O hyperlink é um rizoma, que antes representava um símbolo da deliciosa falta de ordem da Internet, até ser aviltado, quando o Google começou a impor seus algoritmos. Os links, por definição, deveriam sempre nos levar a destinações inesperadas. 
Os rizomas são as antíteses dos traços-padrão da "democracia" liberal ocidental – o parlamento e o senado. As trilhas, ao contrário, são rizomas - como na trilha Ho Chi Minh. Não há plano ordenador. Múltiplas entradas e múltiplas possibilidades. Sem começo nem fim. Como Deleuze o descreveu, "O rizoma opera por variação, expansão, conquista, captura, ramificações".
Isso pode servir de projeto para uma nova forma de participação política que se seguiria à queda do design sistêmico. Esse projeto incorpora uma metodologia, uma ideologia, uma epistemologia, sendo também uma metáfora. O rizoma é inerentemente progressivo, enquanto as tradições são estáticas. Como metáfora, o rizoma pode substituir nossa concepção de história como linear e singular, oferecendo diferentes histórias que se movem em diferentes velocidades. A TINA, ou "não há alternativa“ (There Is No Alternative) está morta: há alternativas múltiplas. 
E isso nos traz de volta a David Harvey inspirado em Marx. Para embarcar em um novo caminho emancipador, temos que antes nos emancipar a nós mesmos e ver que um novo imaginário é possível, paralelamente a uma nova realidade de sistemas complexos.
Então, vamos relaxar - e desterritorializar. Se aprendermos a fazer isso, o advento do Novo Tecno-Homem vivendo em servidão voluntária e controlado remotamente por um estado de segurança todo-poderoso que tudo vê deixará de ser fatal.  
Deleuze: um grande escritor é sempre como que um estrangeiro na língua por meio da qual ele se expressa, mesmo que ela seja sua língua materna. Ele não mistura uma outra língua com a sua própria língua. Ele constrói uma língua estrangeira não pré-existente dentro de sua própria língua. "Ele faz a própria língua gritar, gaguejar, murmurar. Um pensamento deveria brotar rizomaticamente - em muitas direções. 
Estou resfriado. O vírus é um rizoma. 
Lembra-se de quando Trump disse que este era um "vírus estrangeiro"? 
Todos os vírus são estrangeiros – por definição. 
Mas Trump, é claro, nunca leu o Almoço Nu do Grande Mestre William Burroughs.
Burroughs:  A palavra é um vírus". 

Da Peste


A cidade em um tempo de peste

A história nos ensina que as epidemias são momentos reveladores, mais do que transformadores sociais
Alegoria do mau governo (1338), de Ambrogio Lorenzetti
Alegoria do mau governo (1338), de Ambrogio Lorenzetti
 
Por Pepe Escobar, para o Asia Times
A cidade assolada pela peste, atravessada em toda a sua extensão por hierarquia, vigilância, observação, escrita; a cidade imobilizada pelo funcionamento de um poder extensivo que controla de forma distinta todos os corpos individuais - essa é a utopia de uma cidade perfeitamente governada.
– Michel Foucault, Vigiar  e Punir
Enfocando, como seria de se esperar, o Declínio e a Queda do Império Americano, uma hipótese de trabalho do historiador Kyle Harper vem sendo objeto de intenso e sério debate acadêmico. Segundo essa hipótese, os vírus e as pandemias - em especial a peste justiniana do século VI - levaram ao fim do Império Romano. 
Bem, a história, na verdade, nos diz que as epidemias são momentos reveladores, mais do que transformadores sociais. 
Patrick Boucheron, historiador de primeira linha e professor no estimado College de France, traz uma perspectiva muito interessante. Por sinal, antes da eclosão do Covid-19, ele estava prestes a dar início a um seminário sobre  a Peste Negra medieval.
A visão de Boucheron sobre o Decameron de Boccaccio, escrito em 1350 e tendo como personagens um grupo de jovens aristocratas florentinos que fugiram para o campo toscano e lá passavam o tempo contando histórias, enfoca a natureza da peste  como um "horrível começo" que rompe os vínculos sociais, provoca um pânico funerário e deixa a todos se debatendo na anomia. 
Ele, então, traça um paralelo histórico com os escritos de Tucídides sobre a peste de Atenas, ocorrida no verão de 430 A.C. Levando o tema até o limite máximo, nos arriscaríamos a afirmar que a literatura ocidental começa com uma peste - descrita no Livro 1 da Ilíada de Homero.
A descrição de Tucídides  da Grande Peste - na verdade, a febre tifóide - é também um tour de force literário. No cenário de hoje, isso é mais relevante que a controvérsia da "cilada de Tucídides" - e é igualmente inútil comparar o contexto da Atenas antiga com o da atual guerra híbrida entre Estados Unidos e China. 
Tanto Sócrates quanto Tucídides, por sinal, sobreviveram à peste. Ambos eram rijos e haviam adquirido imunidade por terem antes sido expostos à febre tifóide. Péricles, o primeiro cidadão de Atenas, não teve tanta sorte: ele morreu aos 66 anos, vítima da peste. 
A cidade com medo
Boucheron escreveu um livro imensamente interessante, Conjurer la Peur (Conjurar o Medo) no qual ele conta a história de Siena, alguns anos antes da Peste Negra, em 1338. Essa é a Siena retratada por Ambrogio Lorenzetti nas paredes do Palazzo Pubblico – um dos afrescos alegóricos mais espetaculares de toda a história.
Em seu livro, Boucheron escreve sobre o medo político antes de ele ser engolfado pelo medo biológico. Nada poderia ser mais contemporâneo. 
Na Alegoria do Mau Governo, de Lorenzetti, o tribunal da má justiça é presidido por um demônio que segura um cálice envenenado (que hoje seria o "veneno coroado", o coronavírus). Os olhos do demônio são vesgos e um de seus pés pisa sobre os chifres de um bode. Flutuando sobre sua cabeça vemos a Avareza, o Orgulho e a Vanglória (compare-se com os "líderes" políticos contemporâneos). A Guerra, a Traição e a Fúria sentam-se à sua esquerda (o Deep State americano?) e a Discórdia, a Fraude e a Crueldade à sua direita (a financialização do capitalismo de cassino?) A Justiça está acorrentada e sua balança caiu por terra. E por falar em uma alegoria da "comunidade internacional"...
Boucheron dá especial atenção à cidade, tal como retratada por Lorenzetti. Ela é uma  cidade em guerra - o oposto da cidade harmoniosa da Alegoria do Bom Governo. O ponto crucial é que a cidade está despovoada - de forma muito semelhante a nossas cidades hoje em quarentena. Apenas homens armados circulam pelas ruas e, como sugere Boucheron: "Imaginamos que, por trás das paredes, as pessoas estejam morrendo". Essa imagem, então, em nada mudou - ruas desertas, um bom número de idosos morrendo em silêncio em suas casas.
Boucheron, então, faz uma surpreendente comparação com o frontispício do Leviatã, de Hobbes, publicado em 1651: "Aqui, também, há uma cidade despovoada pela epidemia. Sabemos disso porque, nas bordas da imagem, identificamos duas silhuetas com bicos de pássaros, que representam os médicos da peste", enquanto os moradores da cidade foram sugados para o alto, inflando a figura do monstro estatal, o Leviatã, muito confiante no medo que inspira.
A conclusão de Boucheron é que o estado é sempre capaz de extrair uma resignação e uma obediência absolutas da população. "O que é complicado é que, embora tudo o que dizemos sobre a sociedade de vigilância seja aterrorizante e verdadeiro, o estado consegue essa obediência em nome de sua função mais inquestionável, que é proteger a população contra a morte insidiosa. É isso que muitos estudos sérios definem como "biolegitimidade". 
E hoje eu acrescentaria que essa biolegitimidade é apoiada por uma servidão voluntária generalizada.
A Era da Hafefobia 
É possível dizer que Michel Foucault foi o primeiro cartógrafo moderno da sociedade da vigilância derivada do Panóptico. 
E, então, temos Gilles Deleuze. Em 1978, Foucault fez a a famosa declaração de que "talvez, um dia, este século venha a ser chamado de o século deleuziano". 
Bem, Deleuze, na verdade, pertence mais ao século XXI que ao século XX. Ele foi mais longe que qualquer outro no estudo das sociedades de controle - nas quais o controle não provém do centro nem do topo, mas flui através da micro-vigilância, chegando a  despertar nas pessoas o desejo de serem disciplinadas e monitoradas: aqui também, a servidão voluntária.   
Judith Butler, referindo-se ao extraordinário Necropolítica, de Achille Mbembe, o crítico teórico residente na África do Sul, observa que "ele retoma a partir do ponto em que Foucault parou, rastreando a sobrevida letal do poder soberano, que sujeita populações inteiras àquilo que Fanon chamou de 'a zona do não-ser' ".
Grande parte do debate intelectual que temos pela frente, portanto, baseando-nos em Fanon, Foucault, Deleuze, Mbembe e outros, terá, necessariamente, que enfocar a biopolítica e o estado de exceção generalizado - que, como Giorgio Agamben demonstrou, referindo-se ao Planeta Quarentena, está agora completamente normalizado. 
Não conseguiríamos sequer vislumbrar as consequências da ruptura antropológica causada pelo Covid-19. Os sociólogos, de sua parte, já estão discutindo o "distanciamento social" como uma abstração definida e vivida em termos bastante desiguais. Eles estão discutindo as razões pelas quais os poderes constituídos escolheram um vocabulário marcial ("lockdown", que significa o confinamento de prisioneiros em celas, ou outras situações de emergência que exijam o isolamento de pessoas em locais confinados)  em vez de formas de mobilização guiadas por um projeto coletivo.
E isso nos levará a estudos mais profundos da Era da Hafefobia: nossa atual situação de medo generalizado do contato físico. Os historiadores tentarão analisar esse fenômeno paralelamente à maneira como as fobias sociais se desenvolveram ao longo dos séculos.   
Não resta dúvida de que o mapeamento exaustivo de Foucault deve ser entendido como uma análise histórica das diferentes técnicas usadas pelos poderes constituídos para gerir a vida e a morte das populações. Nos anos cruciais de 1975 e 1976, quando ele publicou Vigiar e Punir (citado na epígrafe deste ensaio) e o primeiro volume da História da Sexualidade, Foucault, baseando-se em seu conceito de "biopolítica", descreveu a transição de uma "sociedade soberana" para uma "sociedade disciplinar".
Sua principal conclusão é que as técnicas do governo biopolítico estenderam-se muito além das esferas legais e punitivas, e que agora elas invadem todo o espectro, alojando-se até mesmo dentro de nossos corpos individuais. 
O Covid-19 vem colocando frente a nós um imenso paradoxo biopolítico. Quando os poderes estabelecidos agem como se estivessem nos protegendo de uma doença perigosa, eles estão carimbando sua própria definição de comunidade, que toma por base a imunidade. Ao mesmo tempo, eles têm o poder de se decidir pelo sacrifício de parte da comunidade (idosos que são deixados morrer, as vítimas da crise econômica) em benefício de sua própria ideia de soberania. 
O estado de exceção ao qual está submetida boa parte do mundo agora representa a normalização desse insuportável paradoxo.
Prisão domiciliar
Como, então, Foucault veria o Covid-19? Ele diria que essa epidemia radicaliza as técnicas de biopolítica aplicadas a um território nacional, inscrevendo-as em uma anatomia política aplicada a cada corpo individual. É assim que uma epidemia estende a toda a população medidas políticas de "imunização" que antes só se aplicavam - de forma violenta - àqueles considerados "estrangeiros", dentro e fora do território nacional soberano.  
É irrelevante se o Sars-Covid-2 é orgânico, uma bio-arma ou, ao estilo das teorias da conspiração da CIA, parte de um plano de dominação do mundo. O que vem ocorrendo na vida real é que o vírus reproduz, materializa, amplia e intensifica -  para centenas de milhões de pessoas - as formas dominantes de gerenciamento biopolítico e necropolítico já em vigor. O vírus é o nosso espelho. Nós somos o que a epidemia diz que somos, e como decidimos enfrentá-la.
E, em condições de turbulência tão extrema, como observou o filósofo Paul Preciado, acabamos por atingir uma nova fronteira da necropolítica - principalmente no Ocidente.
O novo território da política de fronteiras que o Ocidente vem testando há anos com "O Outro"- negros, muçulmanos, pobres - agora começa em casa. É como se Lesbos, a principal ilha de entrada para os refugiados do Mediterrâneo Leste vindos da Turquia, agora começasse no hall de entrada de cada apartamento ocidental. 
Com a vigência de um distanciamento social amplo, a nova fronteira é a pele de cada um de nós. Os migrantes e os refugiados antes eram vistos como um vírus, e só mereciam confinamento e imobilização.  Mas agora essas políticas se aplicam a populações inteiras. Centros de detenção - salas de espera perpétua que abolem os direitos humanos e a cidadania - agora são centros de detenção internos a nossas próprias casas. 
Não é de admirar que o Ocidente liberal tenha sido mergulhado em um estado de choque e pavor. 

Teste


Do controle de solo para o planeta quarentena: isto é apenas um teste

Embora o Covid-19 seja um interruptor de circuito, uma bomba relógio e uma verdadeira arma de destruição em massa, um debate feroz vem sendo travado em todo o mundo quanto à sensatez da aplicação de quarentenas maciças em cidades, estados e países inteiros
Pessoas fazem fila para serem testadas para o coronavírus, no Queens, Nova York
Pessoas fazem fila para serem testadas para o coronavírus, no Queens, Nova York (Foto: REUTERS/Jeenah Moon)
 
Por Pepe Escobar, para o Strategic Culture
Tradução de Patricia Zimbres, para o 247
Embora o Covid-19 seja um interruptor de circuito, uma bomba relógio e uma  verdadeira arma de destruição em massa, um debate feroz vem sendo travado em todo o mundo quanto à sensatez da aplicação de  quarentenas maciças em cidades, estados e países inteiros.
Os contrários à ideia argumentam que o Planeta Quarentena não apenas não vem conseguindo evitar a disseminação do Covid-19 como também deixou a economia mundial em estado criogênico - com consequências sombrias e imprevisíveis. A quarentena, portanto, deve ser aplicada essencialmente à população com maior risco de letalidade: os idosos. 
Em um Planeta Quarentena paralisado pelos relatos assustadores que chegam da linha de frente do Covid-19, não resta dúvida de que essa é uma afirmativa incendiária. 
Em paralelo, uma investida maciça da mídia empresarial vem sugerindo que caso os números não caiam significativamente, o Planeta Quarentena - um eufemismo para prisão domiciliar - continuará em vigor indefinidamente. 
Michael Levitt, biofísico de Stanford e prêmio Nobel de Química em 2013, acertou na mosca quando previu que a China superaria a pior fase do Covid-19 muito antes do que multidões de especialistas em saúde acreditavam, e que "O que precisamos é controlar o pânico".
Vamos cruzar esses dados com alguns fatos e opiniões dissidentes, a fim de propiciar um debate informado.
O relatório Covid-19 – Navegando Águas Não-Mapeadas teve como co-autor o Dr. Anthony Fauci – representando a Casa Branca –, H. Clifford Lane e o diretor do Centro de Controle de Doenças (CDC), Robert R. Redfield. O documento, portanto, tem origem no coração do sistema de saúde norte-americano.
O relatório afirma explicitamente que "as consequências clínicas totais do Covid-19 talvez estejam mais próximas às de um gripe sazonal grave (que tem uma taxa de letalidade de aproximadamente 0,1%), ou de uma gripe pandêmica (semelhante às de 1957 e 1968) do que uma doença semelhante ao SARS ou ao MERS, que apresentaram taxas letalidade de 9% a 10%, e de 36%, respectivamente. 
Em 19 de maio, quatro dias antes de Downing Street ter decretado o isolamento em toda a Grã-Bretanha, o Covid-19 foi rebaixado da categoria de "Doença Infecciosa com Consequências Graves".
John Lee, professor de patologia recentemente aposentado e ex-patologista consultor do Serviço Nacional de  Saúde (NHS) afirmou há pouco que as 18.944 mortes por   coronavírus  em todo o mundo representam 0,14% do total de casos. Esses números podem vir a aumentar, mas no presente momento, eles são inferiores aos de outras doenças infecciosas com as quais costumamos conviver (como a gripe)".
Ele recomenda que "um grau de distanciamento social deva ser mantido por enquanto, principalmente para os idosos e imunodeprimidos. Mas a adoção de medidas drásticas deve ser embasada em evidências claras. No caso do Covid-19, as evidências não são claras". 
Uma  opinião essencialmente do mesmo teor foi apresentada por um analista do serviço militar de inteligência russo.
Nada menos que 22 cientistas - ver aqui e aqui – expuseram de forma detalhada  suas dúvidas quanto à estratégia adotada no Ocidente.
O Dr. Sucharit Bhakdi, Professor Emérito de Microbiologia Médica na Universidade Johannes Gutenberg, em Mainz, provocou uma enorme controvérsia com sua carta aberta à Chanceler Merkel, na qual ele ressaltava as "consequências verdadeiramente imprevisíveis das medidas de confinamento drástico atualmente adotadas em grande parte da Europa".
Até mesmo o governador do estado de Nova York, Andrew Cuomo, admitiu oficialmente que foi um erro confinar pessoas idosas com doenças pré-existentes juntamente com a população jovem e saudável. 
Sem dúvida alguma, o ponto central foi o total despreparo do Ocidente frente à disseminação do Covid-19 - apesar de ter sido avisado pela China com dois meses de antecedência e de ter tido tempo para estudar as estratégias  aplicadas com êxito em diversos países asiáticos.
O sucesso do modelo sul-coreano não é segredo. 
A Coreia do Sul já vinha produzindo kits de testes em inícios de janeiro, e já em março testava 100.000 pessoas por dia, após estabelecer um estrito controle sobre a totalidade da população - sob os gritos de protesto ocidentais contra a "falta de proteção da vida privada". Isso foi antes de o Ocidente entrar em modo Planeta Quarentena.
A estratégia sul-coreana consistiu em testes precoces, frequentes e seguros - simultâneos a um rápido rastreamento de contatos, ao isolamento e à vigilância. 
Os portadores do Covid-19 são monitorados com a ajuda de câmeras de vídeovigilância, compras com cartão de crédito e registros de smartphones. Acrescente-se a isso mensagens de SMS enviadas a todas as pessoas sempre que um novo caso é detectado nas redondezas ou no local de trabalho. Os que se encontram em auto-isolamento necessitam de um aplicativo para serem constantemente monitorados e qualquer infração significa uma multa equivalente a 2.800 dólares. 
Demolição controlada em vigor 
No início de março, a Revista Chinesa de Doenças Infecciosas, da Associação Médica de Xangai, pré-publicou o Consenso entre os Especialistas quanto ao Tratamento do Coronavírus.  As recomendações de tratamento incluíam "grandes doses de vitamina C... em injeções intravenosas na dose de 100 a 200 mg / kg ao dia".
Essa foi a razão de 50 toneladas de vitamina C terem sido enviadas à província de Hubei em inícios de fevereiro. Esse foi um exemplo cabal de como uma simples solução de "mitigação" é capaz de minimizar uma catástrofe econômica.
Por outro lado, foi como se a reação brutalmente rápida da "guerra popular" chinesa contra o Covid-19 tivesse pego Washington totalmente de surpresa. Um fluxo contínuo de rumores da área de  inteligência circulando na internet chinesa sugere que Pequim já tenha examinado todas as pistas possíveis sobre a origem do vírus Sars-Cov-2– informações vitais que, na hora certa, sem dúvida serão usadas como arma, bem ao estilo de Sun Tzu.
Até o momento, a sustentabilidade do complexo projeto de integração eurasiano não foi substancialmente prejudicada. Enquanto a União Europeia dava a todo o mundo uma demonstração explícita de desinformação e de impotência, a parceria estratégia russo-chinesa se fortalecia a cada dia - com investimentos crescentes em poder brando e levando adiante um diálogo pan-eurasiano que inclui, como um de seus elementos essenciais, a assistência médica.
Referindo-se a esse processo, o principal diplomata da União Europeia, Joseph Borrell, soa realmente impotente: "Há uma batalha global de narrativas na qual o timing é um fator crucial. […] A China reduziu as novas infecções locais para números de um dígito - e está agora enviando equipamentos e equipes médicas à Europa, como outros o fazem também. A China vem enviando de forma agressiva a mensagem de que, ao contrário dos Estados Unidos, ela é uma parceira responsável e confiável. Nessa batalha de narrativas, vimos também tentativas de desacreditar a União Europeia (…) Temos que ter consciência de que há um componente geopolítico que inclui a luta por influência por meio da urdidura de uma 'política da generosidade'. Armados de fatos, temos que defender a Europa de seus detratores". 
Isso nos leva a território realmente explosivo. Uma crítica da estratégia do Planeta Quarentena inevitavelmente levantará questões sérias apontando para uma demolição controlada da economia global. O que já está em rigoroso efeito são miríades de declinações da lei marcial, de policiamento severo das mídias sociais no modo Ministério da Verdade e a volta de estritos controles de fronteira.
Essas são as marcas inequívocas de um projeto maciço de reengenharia social, ao qual são inerentes o monitoramento social total, o controle da população e o distanciamento social promovido como o novo normal.  
Isso seria levar ao limite a afirmativa pública do Secretário de Estado Mike "nós mentimos, nós trapaceamos, nós roubamos" Pompeo,  de que o Covid-19 é um exercício militar  ao vivo: "Esse assunto vai adiante - estamos aqui em um exercício ao vivo para acertar". 
Salve,  BlackRock!
Então, enquanto enfrentamos uma Nova Grande Depressão, os passos que levam a um Bravo Mundo Novo já são discerníveis. Eles vão muito além de um mero Bretton Woods 2.0, da forma como Pam e Russ Martens magnificamente desconstroem o estímulo de 2 trilhões de dólares à economia dos Estados Unidos recentemente aprovado pelo Congresso americano.
Em termos essenciais, o Fed irá "alavancar  para 4,5 trilhões os 454 milhões de dólares de socorro financeiro na forma de fundos secretos proposto na lei.  E nenhuma pergunta será permitida quanto a quem se beneficiará do dinheiro, porque o projeto de lei simplesmente isenta o Fed do cumprimento da Lei de Liberdade de Informação (FOIA).
A empresa privada que terá acesso privilegiado a essa "caixa dois" é a BlackRock. Aqui vai a versão muito resumida desse esquema estarrecedor,  magistralmente detalhada.
Wall Street transformou o Fed em um fundo hedge. Antes do fim do ano, o Fed vai ser proprietário de pelo menos dois terços da totalidade dos títulos do Tesouro americano nos quais o mercado está atolado.
O Tesouro dos Estados Unidos vai comprar todos os títulos e empréstimos que puder, e o Fed será o banqueiro que irá financiar todo o esquema. 
Então, essencialmente, trata-se de uma fusão Fed/Tesouro. Um mastodonte oferecendo dinheiro de helicóptero aos montes - tendo a BlackRock como a vencedora incontestável.
A BlackRock é conhecida como a maior administradora de dinheiro do planeta. Seus tentáculos estão por toda a parte. Ela é proprietária de 5% da Apple, 5% da Exxon Mobile, 6% do Google, sendo também a maior acionista da AT&T (Turner, HBO, CNN, Warner Brothers) – e esses são apenas alguns exemplos. 
Eles irão comprar todos esses títulos e administrar os arriscadíssimos Veículos de Titularização (SPVs) em nome do Tesouro.
A BlackRock não é apenas a maior investidora da Goldman Sachs. É mais que isso: a Blackrock é maior que a Goldman Sachs, a JP Morgan e o Deutsche Bank juntos. A BlackRock é um dos grandes doadores da campanha Trump. Agora, para todos os fins práticos, ela será o sistema operacional - o Chrome, o Firefox, o Safari – do Fed/Tesouro.
Isso representa a wallstreetização definitiva do Fed - sem o mínimo indício de que isso levará a qualquer melhoria da vida do americano médio.
A mídia empresarial do Ocidente, em massa, vem praticamente ignorando a infinidade de consequências econômicas desastrosas trazidas pelo Planeta Quarentena. Da primeira à última página, a cobertura mal se digna a mencionar a estarrecedora devastação econômica e humana já em vigor - principalmente para as massas que, já agora, mal conseguem sobreviver na economia informal.
Para todos os efeitos, a Guerra ao Terror foi substituída pela Guerra ao Vírus. Mas o que não vem sendo objeto de análises sérias é a Tempestade Tóxica Perfeita: uma economia totalmente arrasada; a Mãe de Todos os Craques Financeiros - mal disfarçada pelos trilhões de dinheiro de helicóptero despejados pelo FED e pelo Banco Central Europeu; as dezenas de milhões de desempregados gerados pela Nova Grande Depressão; as milhões de pequenas empresas que simplesmente irão desaparecer; uma crise global de saúde mental. E, principalmente, as massas de idosos, principalmente nos Estados Unidos, que receberão a ordem implícita de "morram". 
Mais além de qualquer retórica sobre o "desacoplamento", a economia global já está, de fato, dividida em duas partes. De um lado temos a Eurásia, a África e grandes porções da América Latina - que a China estará cuidadosamente conectando e reconectando por meio das Novas Rotas da Seda. De outro lado, temos a América do Norte e alguns vassalos ocidentais selecionados. Uma Europa atônita situa-se entre esses dois polos.
Não há dúvida de que uma economia global criogenicamente induzida poderá facilitar uma reinicialização. O trumpismo é o novo excepcionalismo - o que significa uma MAGA isolacionista turbinada com esteróides. A China, ao contrário, irá reinicializar meticulosamente sua base de mercado ao longo das Novas Rotas da Seda - incluindo a África e a América Latina - para compensar a perda dos 20% de comércio e exportações com os Estados Unidos.
Os parcos cheques de 1.200 dólares prometidos aos americanos são, na verdade, precursores da tão incensada Renda Básica Universal (RBU). Esses cheques talvez venham a se tornar permanentes, uma vez que dezenas de milhões de pessoas estarão permanentemente desempregadas. O que irá facilitar a transição para uma economia totalmente automatizada, administrada 24/7 por Inteligência Artificial (IA) - daí a importância do 5G.
E é aqui que o ID2020 entra em cena.
IA e o ID2020 [vídeo]
A Comissão Europeia está envolvida em um projeto de importância crucial, embora praticamente desconhecido, o CREMA (Cloud Based Rapid Elastic Manufacturing - Fabricação Rápida e Elástica Baseada na Nuvem), que visa a facilitar a implementação mais ampla possível da IA em conjunção com o advento de um Sistema Mundial Único que não usa dinheiro.
O fim do dinheiro implica necessariamente um Governo Mundial Único capaz de pagar - e controlar - a Renda Básica Universal; que representaria a concretização perfeita dos estudos de Foucault sobre biopolítica. Qualquer pessoa pode ser apagada do sistema se algum algoritmo equacionar esse indivíduo com algum tipo de dissidência. 
Fica ainda mais sexy quando o controle social absoluto é promovido como uma inocente vacina.
ID2020 descreve a si próprio como uma aliança benigna de "parceiros público-privados". Trata-se, essencialmente, de uma plataforma eletrônica de Identidade Digital com base em vacinação generalizada. E tudo começa no nascimento: os recém-nascidos receberão uma "identidade digital biométrica portátil e permanente".
GAVI, a Aliança Global para Vacinas e Imunização, promete "proteger a saúde das pessoas" e fornecer "imunização para todos". Entre os maiores parceiros, além da OMS, está - como seria de se esperar - a Big Pharma.
Na cúpula  da Aliança ID2020, realizada em setembro último em Nova York, ficou decidido que o programa "Rising to the Good ID Challenge" (Enfrentando o Bom Desafio da ID) seria lançado em 2020. Isso foi confirmado pelo Fórum Econômico Mundial (WEF) em janeiro último, em Davos. A identidade digital será testada conjuntamente com o governo de Bangladesh. 
Isso coloca uma questão da maior gravidade: Teria o ID2020 sido programado para coincidir com isso a que um patrocinador importante, a OMS, qualificou como uma pandemia? Ou a pandemia foi de importância crucial para justificar o lançamento do ID2020?
Simultaneamente às rodadas de testes que têm a capacidade de virar o jogo, nada, é claro, supera o Event 201, realizado menos de um mês depois do ID2020.
O John Hopkins Center for Health Security (Centro John Hopkins para Segurança Sanitária), em parceria com, mais uma vez, o Fórum Econômico Mundial e também com a Fundação Bill e Melinda Gates,  descreveu o evento como "um exercício de alto nível sobre pandemias". 
O exercício "ilustrava áreas onde as parcerias público/privadas serão necessárias durante a resposta a uma pandemia grave, a fim de reduzir as consequências econômicas e sociais de larga escala". 
Com o Covid-19 sendo considerado uma pandemia, a John Hopkins Bloomberg School of Public Health foi forçada a emitir uma declaração que dizia, basicamente, que eles haviam apenas "usado o modelo de uma pandemia de coronavírus fictícia, declarando explicitamente, entretanto, que não se tratava de uma previsão". 
Não há a menor dúvida de que "uma pandemia severa, que venha a se converter no ‘Evento 201’, exigiria uma cooperação confiável entre diversos setores econômicos, governos nacionais e instituições internacionais", tal como expresso pelos patrocinadores. O Covid-19 vem induzindo exatamente esse tipo de "cooperação". Se ela é "confiável" ou não, é uma questão que permanece aberta a infindáveis debates.
O fato é que, por todo o Planeta Quarentena, um tsunami de opinião pública vem tendendo a definir todo o atual estado de coisas como uma operação psicológica global: um cataclismo global deliberado – a Nova Grande Depressão - imposta propositalmente a cidadãos  desinformados.
Os poderes estabelecidos, é claro, inspirando-se no já antigo e bem testado manual de operações da CIA, insistem até perder o fôlego que tudo não passa de uma "teoria da conspiração". No entanto, o que grandes fatias da opinião pública global estão percebendo é um - perigoso - vírus sendo usado para esconder o advento de um novo sistema financeiro digital acoplado a uma vacina obrigatória/nanochip, visando a criar uma  identidade digital individual completa. 
O cenário mais plausível para nosso futuro imediato se apresenta como aglomerados de cidades inteligentes ligadas por IA, e seus habitantes, devidamente microchipados, sendo monitorados em tempo integral, fazendo tudo o que precisam fazer com uma moeda digital unificada, em uma atmosfera do Panóptico de Bentham e Foucault em rodando em marcha alta.
Então, se esse de fato for o nosso futuro, o atual sistema mundial tem que desaparecer. Isso é um teste, isso é apenas um teste.